O cineasta e colunista televisivo Arnaldo Jabor deve ter muito dinheiro para menosprezar R$ 0,20. Se para ele essa quantia diária não faz falta, para muitos trabalhadores é enorme peso no orçamento familiar e, por isso, deve-se sim fazer manifestação de repúdio ao aumento da tarifa nos ônibus da Capital, assim como o aumento das passagens em todas as outras localidades. É claro que não se justificam os atos de vandalismo registrados nos recentes protestos, mas é legal manifestar-se contra tal elevação em um bolso cada vez mais vazio, em razão da inflação que mexe com a economia nacional e assusta quem depende do salário, nunca justo, para sobreviver nessa selva capitalista repleta de ralos corruptos a engolir o dinheiro público.
Não é aceitável desembolsar no mínimo R$ 3,20 por dia para usufruir de um transporte público capenga, que maltrata o usuário. A prefeitura e o governo dizem desembolsar alto valor de subsídio para manter o transporte público acessível ao povo, mas nas condições em que o serviço é prestado, estão a jogar no ralo mais uma fortuna do dinheiro público. A começar pelo não cumprimento de horário dos carroçáveis, que deixam o usuário ao léu à espera do coletivo. Se, conforme argumentam, é o trânsito que provoca os atrasos, então coloquem mais veículos para circular em intervalos favoráveis ao usuário. Tem quem espera quase 40 minutos e, quando o veículo chega está entupido de passageiros e não dá para entrar. Quando chegam, pois as carroças de pneus muitas vezes encontram-se em lastimável estado de conservação. O contrato peça exploração do serviço exige carros novos, mas, espertos, os empresários costumam dar uma garibada na lataria e no estofamento e botam para rodar. Se quebrar, quebrou, dane-se quem está no ponto. Isso sem contar profissionais mal preparados e treinados para transportar gente, com brecadas bruscas, estacionamento bem longe dos pontos e curvas em velocidade incompatível com um veículo carregado.
Por falar nas paradas, a maioria mal tem sinalização indicando tratar-se de um ponto, quando é obrigação ter banco, cobertura e placas indicativas das linhas. Mas cadê a fiscalização? Esqueça. A desculpa sempre é a mesma, ou seja, falta de pessoal para circular as linhas e verificar o mau serviço prestado. Da parte das empresas, o argumento é o vandalismo, só que elas ganham muito para arrumar o que foi quebrado. Esse é o ônus pelo bônus.
Quanto à gratuidade, pelo qual também se paga em forma de subsídio, cansamos de ver ônibus ignorando idosos e estudantes no ponto. Os funcionários alegam que são ordens do patrão para evitar ao máximo a viagem gratuita. Os donos, em suas defesas, costumam dizer que o que recebem mal dá para pagar os funcionários e a manutenção. Bem, se o negócio de prestação de serviço público fosse tão ruim, não disputariam tão acirradamente as licitações abertas, não é mesmo? A grana é boa, a cobrança é branda e o serviço é bem ruim.
Resumindo: os envolvidos diretamente ganham muito dinheiro e o usuário sofre horrores. Por isso, se justifica colocar a boca no trombone para reclamar de mais esse aumento. Não convence o prefeito Fernando Haddad dizer que o reajuste foi abaixo da inflação, porque não é verdade. A real inflação nunca é revelada neste país, mas é duramente sentida pelas famílias no seu dia a dia.
O movimento Passe Livre está certíssimo em ir para as ruas mostrar toda sua indignação por mais essa mexida no bolso do povo. Como dito acima só não se pode concordar com a quebradeira registrada em bens públicos e particulares. Considero que a estratégia esteja errada do ponto de vista: em vez de irritar e ferir o direito de ir e vir da população, o movimento deveria infernizar a vida de Haddad, de Alckmin e de quem mais aprovou esse aumento, direcionando os protestos para a porta da casa deles ou para todo e qualquer lugar em que eles estiverem. Dia e noite, noite e dia, gritando sua revolta e entupindo os ouvidos deles de indignação, repudio e revolta pelo aumento. Deveriam os manifestantes fazer da vida desses mandatários um inferno a tal ponto e até que o preço da passagem seja R$ 3,00. Pressionados pela insatisfação da população, tanto o prefeito quanto o governador também endurecessem com os empresários do transporte público, cobrando melhor serviço e mais respeito ao usuário.
TENDENCIOSA
Há de se lamentar também o comportamento da mídia na cobertura desses manifestos, ao explorar a classe social e a moradia dos protestantes presos. Quer dizer que quem não usa transporte público ou mora em Alphaville, Pinheiros ou Tatuapé e tem profissão de nível superior não pode participar dos protestos? Quem pertence a uma classe social mais elevada não pode ser solidária aos que estão sendo prejudicados? Menos, senhores, menos. Não é por aí. Não procurem bodes expiatórios no Passe Livre para insinuar que há outros interesses por trás dos protestos. Pode ser até que haja mal-intencionados, como os existem em todos os lugares, inclusive dentro de uma seção, seja pública ou privada, mas daí a explorar sem motivo que a classe média engrossa protesto que não lhe diz respeito diretamente é jogar favoravelmente com o governo e com sua desculpa de que R$ 0,20 não são motivos para tanto barulho. Parece que a mídia, com essa postura preconceituosa, defende a separação de classes numa sociedade que luta pela igualdade de direito. Então, quando há manifestação por moradia ou quando os sem-terra reivindicam o direito do uso de área improdutiva somente eles podem protestar?
Por que explorar negativamente a presença da classe média? Por que não explorar os ganhos exorbitantes das empresas de transporte público e o igualmente exorbitante subsídio a um serviço tão ineficiente e mal avaliado pelo usuário? Peca a mídia ao fazer o jogo do patrão, sempre interessado em proveito próprio, porque jornalista mesmo sente na carne as agruras do custo de vida cada vez mais elevado e, se pudesse, certamente estariam todos ali protestando também e escrevendo sobre as agruras de uma massa populacional oprimida por tantos arrochos salariais e sobrecarga de impostos nas costas. Uma categoria que atravessa dias de disseminação e de esvaziamento, embora o trabalho nas redações continue a ser o mesmo, ou seja, jornadas desumanas de sobrecarga de trabalho, sem o devido reconhecimento do esforço dispendido.
Aliás, o trabalhador brasileiro é explorado rotineiramente. Trabalha quase seis meses por ano de graça, já que tudo o que recebe é convertido em impostos governamentais. Não é valorizado no emprego, perde espaço para os amigos do chefe ou do dono, ganha infinitamente abaixo do que produz, muitos nem têm direito ao pagamento de horas extras, embora seja obrigado a fazê-las, é enganado na hora do pagamento da PLR e, exceto por alguns sindicatos mais atuantes, nem sequer recebe o balanço da empresa para saber se o benefício conquistado por força da lei é, de fato, o que tem direito a receber.
O trabalhador, que além do que é surrupiado já na folha de pagamento, é obrigado a pagar impostos para comer, se vestir, estudar e para ter bens que resultem em uma vida mais ou menos confortável. Paga pedágios caríssimos para transitar em vias mais ou menos conservadas e projetadas para dar aderência aos veículos. É obrigado a desembolsar grana preta para ter direito a serviço de saúde, uma vez que o público é matadouro. Se quiser desfrutar de programas culturais, terá de pegar muitas notas no bolso, porque cultura também é cara no Brasil. Se optar por futebol, é bom levar o lanche de casa e evitar até comprar água nos estádios, onde os produtos são superfaturados e ninguém coíbe. Isso sem contar os flanelinhas e seus R$ 30 para ‘olhar’ o veículo e os cambistas ‘espertos’ e que agem diante de todos, menos da polícia, que nunca vê nada. E depois de uma vida inteira de suor e sacrifício, mal pode se aposentar com tranquilidade porque tem a tal proporcionalidade, que come boa parte do benefício que teria direito. E como aposentado ainda terá de amargar tempo precioso em pontos de ônibus sem lugar para se sentar e nem cobertura para se proteger à espera de um coletivo que, ao vê-lo, irá passar batido.
Ainda tem gente que se atreve a tripudiar os protestos contra os R$ 0,20 de aumento na passagem. Tomara o brasileiro tenha acordado e de hoje em diante promova manifestos e protestos contra a exploração nossa de cada dia.