Em 1982, Fausto Polesi (1930-2011), sócio-fundador do DGABC, publicou pela editora Soma o livro Grandes Temas do Jornalismo – Editoriais, reunindo boa parte dos editoriais escritos por ele enquanto ocupou o cargo de o mais brilhante e competente diretor de Redação do jornal da Rua Catequese. E incrível a força de seus textos, que não envelhecem e poderiam ocupar hoje o o espaço Opinião de qualquer publicação. Leiam abaixo:
DO DIREITO DE SABER DAS COISAS
Por diversas vezes já se ouviu de políticos bem situados nos corredores do poder que o povo está muito mais preocupado com a sua própria subsistência e a da sua família do que com o voto para presidente, Assembleia Constituinte, abertura democrática. As manifestações em tal sentido geralmente são feitas quando o político interrogado tenta fugir do debate e sai por essa tangente. E, no fundo, ele tem razão, porque o povo vive sobressaltado é com o aumento do custo de vida, a falta de emprego e de moradia, as dificuldades com o transporte, o vestuário, a escola dos filhos e outras tantas pequenas e grandes coisas do seu dia a dia.
A discussão a respeito de todos os problemas políticos atrai o brasileiro da faxina mais carente, somente por tabela. Mas, se esses temas do momento não conseguem fazê-lo desviar-se dos seus problemas pessoais, nem por isso sua desatenção vai ao ponto de não perceber os desmandos administrativos de prefeitos, que se especializam na prática de um trabalho altamente prejudicial aos interesses comunitários.
Por mais humilde que seja a pessoa, suas responsabilidades sociais impelem-na a examinar, com senso crítico, o tipo de aplicação do dinheiro público, posto em prática pelo prefeito da sua cidade. E, embora seu trabalho e preocupações não lhe permitam acompanhar de perto todos os movimentos reivindicatórios, na área político-institucional, sua atenção está voltada constantemente para o rumo das atividades do Poder Público municipal, as quais lhe dizem respeito.
O munícipe em geral quer saber por que certos prefeitos não conseguem terminar obras diversas, enquanto por outro lado apresentam sintomas de opulência, que vai se tornando cada vez mais ostensivas, a ponto de agredir a lógica dos números. De repente, como se tocados por uma varinha de condão, o patrimônio de certos detentores do poder municipal se multiplica extraordinariamente, deixando embasbacados empresários diversos e homens do povo, cuja vivência é marcada por cenas de equilibrismo financeiro, com a coluna do vermelho sempre teimando em subir. A capacidade gerencial que esses tais donos do poder vivem demonstrando, quando se trata de multiplicar ao infinito os próprios bens, é acompanhada por olhos arregalados de surpresa, tanto mais que a mesma capacidade não aparece quando o mesmo indivíduo manuseia verbas públicas e se põe a construir obras viárias, alinhadas na propaganda oficial como empreendimentos prioritários.
Bem que o povo gostaria de saber em detalhes o que é feito com o dinheiro. Esse prazer, contudo, lhe é negado escandalosamente. Os prefeitos, em sua maioria, se transformam em mestres da punga, ao subtrair dos olhos do cidadão números precisos sobre contratos e reajustes de preços de obras faraônicas. Com sutileza própria de malandros, certos prefeitos cometem toda a sorte de atentados à boa administração e ainda têm o desplante de enfrentar o povo e contar mentiras, com ar cínico e despudorado.
Muito contribui para a disseminação da malandragem e dos malandros a existência de vereadores venais e submissos, uma coisa levando à outra necessariamente. Entrando na panela da corrupção, os elementos que foram eleitos para dar cumprimento a uma obrigação, que é a de colocar-se ao lado do interesse coletivo, constituem o pano de fundo da malandragem.
A maioria do povo, que é carente, pensa em primeiro lugar na comida, no vestuário e no abrigo, como querem os políticos oportunistas, que não têm resposta para os desvios de conduta que vão cometendo. Não tem tempo para pensar em democracia, em eleições diretas para todos os cargos executivos e em outros assuntos que não enchem a barriga. Mas deseja ter o direito de saber qual o destino dado ao seu dinheiro.
Os aventureiros, encastelados nos postos de mando, sempre têm a boa resposta para safar-se de situações complicadas. Nunca, porém, se dão conta de que o contribuinte não é um mero eleitor, que deve ser procurado e bajulado somente em momentos certos, mas o alvo de todos os empreendimentos públicos. É evidente que não serão os malandros que irão reconhecer o direito do munícipe; este é que deve conquistar o seu direito, expulsando dos cargos de mando os contumazes prevaricadores.